Capítulo 1 -A primeira postagem de Clay : a história do Barão Negro.

    Por causa de Felipe, nosso filho,Clay passa muito tempo trancado no quarto pintando seus quadros, alegando que o cheiro das tintas pode fazer mal para a criança. É claro que ele tem razão, mas está longe de ser o motivo real.
    Eu olho para o bercinho e confirmo que  Felipe está dormindo, e eu estou sozinha mais uma vez no nosso quarto, diante da mesa do  computador, com Akira debaixo dos meus pés. 

    Está um pouco frio e mesmo usando meias eu consigo sentir o  pelo felpuldo e macio do Akira.
    Nem por um minuto eu me preocupei com  a recepção que "meu embrulhinho berrante" teria do nosso mascote. Desde que chegamos da maternidade, nosso cão assumiu a postura de líder Alfa a cuidar do filhote. 

   Akira cheirou os  cueiros de Felipe e espirrou. Em seguida, lambeu a criança... Daquelas lambidas com gosto, bem babadas!  .
    Paula , a mãe biológica de Clay, com aquela elegância que lhe é peculiar, viera nos trazer de carro-, fez menção de reclamar, mas um olhar de Clay a calou.

    Para uma mulher que engravidou do filho ao frequentar um Rave- para quem não sabe, rave era uma festa muito comum nos anos 90, com muito consumo de bebidas, drogas e sexo-,Paula revelou-se uma mulher moralista. Como a gente se engana com as pessoas...Essa não era a Paula que conheci...Ou era, e fui eu que não a vi como ela realmente era?

    Eu ralhei com Akira ao lamber Felipe na frente dela, mas não consegui evitar um sorriso de satisfação. Ficaria tudo bem, afinal. os temores de que nosso cão estranharia o  tão amado intruso não se concretizou .
    A relação entre Paula e Clay ainda permanece estranha. Ora se comportam como irmãos, ora como estranhos que se toleram. Acho que Paula percebeu que estava sobrando e mesmo eu a convidando para ficar um pouco mais,  girou nos calcanhares e saiu no mesmo instante em direção a porta. Foi bom, porque evitou o encontro dela com Cleo...
    Paula fazia o impossível para se aproximar do filho, mas Clay está  irredutível.... Pelo menos, ela teve o bom sendo de não trazer o marido a tiracolo, nem exigir que Clay o chamasse de padastro.
    Deixei transparecer meu sentimento sobre Paula? É que tenho feito um grande esforço em não  revelar o que sinto, aumentando a tensão entre eles. Mas, ao menos aqui em  meu Blog, posso ser verdadeira.
     Eu culpo Paula. Sim! E não só por causa do que ela fez com Clay, mas em especial pelo que ela fez com Cleo.
     Cleo não merecia o que aconteceu, sabe? Por anos lutou contra tudo e contra  todos para ter a Paula com ela, e de repente, resolve  meio que fazer a loca e abandonar a parceira....
   Felipe  remunga e se contorce no berço. Para um recém-nascido ele é até bem calmo.
    Eu me atreveria a dizer que enquanto eu aceitei calmamente a chegada de Felipe e tenho conseguido lidar com o choro de madrugada e rotina das mamadas até que com certa naturalidade...
     O Clay é que tem sido um problema.
    Cleo tem me ajudado muito, e isso está provocando a ira de minha mãe, eu até sei., mas não tenho como evitar.
    Mais uma vez eu buscava por um clichê suave, em tons pastéis .Aquele que a mãe estaria por perto ajudando na troca de fraldas ou a dar banho e ...Só que não! A Dona Margarida resolveu criar caso e , enquanto Cleo estiver "roubando sua filha" ela vai ficar afastada.
    Caraca, viu?!
    Minha mãe resolveu surtar, principalmente depois que o bebê da Larissa e do meu padastro nasceu e...
  __ Oi Cleo ! __ , fechei a tampa do notebook assim que ouvi a batida na porta. Eu sabia que era ela.

 __  Oi Cleise! Felipe acordou?- Ela sussurrou entreabrindo a porta do quarto-, Vim saber se vocês estão precisando de algo.

 Eu tive ímpetos de falar a verdade, mas me calei. respondi com um suspiro.
 __ Eu sei Cleise! Clayton está sendo infantil. Prometo que tentarei falar com ele...
.
 __ Melhor esperar um pouco mais, Cleo. A gente não está bem. Se você intervir, ele vai achar que eu fui me queixar com você e pode até ficar pior...

 __  Ficarei quieta então, se prefere assim..Minha filha, ele  está com ciúme de você e da atenção quase exclusiva que dá ao menino.E quando não está com a criança, está teclando no computador...

__ Mas isso não mudou Cleo! Da primeira vez foi ideia de Carla fazer o Blog. Nesse retorno foi o próprio Clay que sugeriu que eu retomasse o Blog. para me distrair dos cuidados com Felipe. A gente estava bem, feliz, e de repente... Ele é que parece ter entrado em depressão pós- parto porque... vou te contar! Eu é que estou com hormônios à flor da pele, e ele quem surta?  E agora , estou outra vez sozinha! Ele usa o Blog com a desculpa de que isso está nos afastando para ele ficar ainda mais separado de mim. Parece que está com raiva de nosso filho... Não entendo!

__ Um pouco de paciência , querida, essa fase vai passar...- Ela  me abraça sorrindo-, Que tal se eu  levar Felipe para tomar um pouco de sol agora ?

__ Não está frio? __ questionei . Depois percebi a bobagem. Ela jamais colocaria meu filho em risco.

__Pode deixar, eu o agasalho bem, se é esse o seu receio. Depois, estamos na primavera e nem está assim
tão frio.  Quem sabe vocês tem  aquele momento a sós que estavam precisando?- ela piscou o olho, sorrindo.

                                                                      💜💜💜

     Após Cleo deixar o apartamento levando o Felipe num carrinho para o passeio no fim de tarde , bati na porta do quarto que foi de Carla  e que agora servia de ateliê para o Clay.
     Nem de longe era um ateliê tão bom quanto o que ele tinha na casa de Cleo, mas o que importa isso? Era nosso cantinho e lutamos tanto para chegar até aqui...
  __ Oi Cleise!

 Nada de "Oi, amor" costumeiro. É...a gente continuava brigado ...Eu achei que ele tivesse esquecido...
__ Oi amor!__ Pontuei a fala, fingindo que não percebi .__, Cleo levou Felipe lá embaixo e achei...Sei lá...Eu achei que era hora da gente se acertar não acha?

Ele me olhou de esguelha e por fim sorriu. Eu fui abraçá-lo e ele retrucou, se afastando um pouco.
__  Eu te amo Cleise , mas a gente precisa mesmo conversar!

 __ Depois- insisti-,. Depois nós falamos sobre o que você quiser...Provoquei, tentado beijá-lo, despertá-lo daquele jeito.... Em vão.
      O resguardo acabara já há quase um mês, mas mesmo liberados pelo obstetra, nada de brincadeirinhas  porque...pasme! O Clay está me evitando!

 __ Aqui Cleise, queria te mostrar isso! Sei que está aflita com a falta de material para o Blog .

       Preferi não insistir na sedução que já estava com cara de virar climão mesmo... e suspirando, peguei o caderno manchado de tinta.

     Clay tinha mania de escrever sempre usando um velho caderno universitário mas, contrariando seu natural senso de organização, o caderno estava todo respingado de tinta. Assim como o avental dele...A mudança nele era tão visível ...Eu deveria me preocupar realmente?

   Passei rapidamente os olhos pela matéria me atendo ao título sugestivo:

__ Barão Negro?

__ Sabia que esse Francisco de Paula Almeida foi o primeiro Barão Negro do Imprério? Ele era Mulato , na verdade, e até a pouco tempo, pouquíssimas eram as notícias sobre ele. Mas, sabe a sede da câmara legislativa , o Palácio Amarelo? A prefeitura comprou dele,  mas só em 2014, há  120 anos da aquisição do imóvel, que se descobriu a verdadeira identidade do vendedor do palacete. A tetraneta dele, Mônica de Souza Destro, está reunindo material para fazer a genealogia do tetravô.

__ E de onde surgiu esse interesse para fazer uma matéria dessa?

__ Não achou interessante? Seu espírito jornalístico ficou enferrujado com a maternidade?

Diplomacia, Cleise! você quer fazer as pazes? Então não caia na armadilha dele!

__  É uma matéria interessante sim, nunca havia ouvido falar. Mas você sabe alguma coisa , digamos assim, notável dele, além de ser ex dono da sede legislativa de Petrópolis?

__ Sim.. Porque não lê a matéria por completo antes de criticá-la?

Calma...Foco.
Calma... Foco...
Calma...
Terminei de contar até dez  e após repetir meu mantra atual  no convívio com o Clay ...
 Comecei a ler com muita atenção  para aplacar a vontade de responder à altura.

"Um próspero fazendeiro e banqueiro do Brasil nos tempos do Império, dono de imensas fazendas de café, centenas de escravos, empresas, palácios, estradas de ferro, usina hidrelétrica e, para completar a cereja do bolo, de um título de barão concedido pela própria Princesa Isabel.
 A biografia do empresário mineiro Francisco Paulo de Almeida, o Barão de Guaraciaba, não seria muito diferente de outros nobres da época não fosse um detalhe importante: ele era negro em um país de escravos.
No ano em que a Lei Áurea completa 130 anos, vale a pena conhecer a trajetória do primeiro e mais bem-sucedido barão negro do Império, um personagem praticamente desconhecido na História do Brasil. Empreendedor de mão cheia e com grande visão de negócios em um país ainda essencialmente agrário, ele tem uma trajetória que lembra a de outro barão empreendedor do Império, este bem mais famoso: o Barão de Mauá".

__ Já quer criar polêmica em sua primeira postagem?

__ Porque diz isso?

Como a pergunta  soou sem um pinguinho de sarcasmo, resolvi responder .
__ Um mulato, que comprou o título de Barão com 750 mil réis, filho de uma escrava e um comerciante branco conseguiu essa fortuna toda? E a apregoada " Dívida histórica" com os negros , para justificar a questão das cotas sociais, como fica isso? Já pensou que alguns de seus leitores podem se questionar sobre a intenção por trás dessa matéria?

__ Leia tudo, Cleise, você vai  entender. Nada foi de mão beijada na vida dele...

"Ainda na adolescência, Almeida começou a vida como ourives fabricando botões e abotoaduras em sua terra natal, na região aurífera de Minas. Nos intervalos, tocava violino em enterros, onde recebia algumas moedas como pagamento e os tocos das velas que sobravam do funeral, que utilizava para estudar à noite. Por volta dos 15 anos, tornou-se tropeiro entre Minas e a Corte, no Rio de Janeiro.
Nessas idas e vindas, ganhou dinheiro comprando e vendendo gado, conheceu muitos fazendeiros e negociantes nos caminhos das tropas e começou a comprar terras na região de Valença, no interior fluminense, para plantar café.
Após casar-se com dona Brasília Eugênia de Almeida, com quem teve 16 filhos, tornou-se sócio do seu sogro, que também era fazendeiro e negociante no Rio de Janeiro."


__ Muito bem, Clay, achei um ótimo assunto para esse Mês da Consciência Negra. É interessante pensar que nenhuma condição social ou a cor é empecilho para estudar e crescer.... Por outro lado, ele é um exemplo de que a oportunidade existia mesmo naquela época e , assim como agora, uns aproveitam e outros não.

__ Exatamente, Cleise, você entendeu o sentido que quis passar com o texto.Consciência é questionar, é trazer o assunto para a reflexão, e acho que um Blog como o nosso pode sim, falar sobre isso...

Gostei de ouvi-lo falar sobre nosso Blog..Eu ia me animando a conversar com ele sobre o que me afligia em nosso casamento, mas ouvi a chave abrindo a fechadura do apartamento. Já era  a minha chance de ficar com ele, quem dirá tirar o atraso!

Mais uma vez a conversa tão necessária terá que ser adiada. Meu coração vai ter que esperar!  💔

                                                                      ass:Cleise  

Nota da autora: Gostaram do capítulo? O que será que vai acontecer com esses dois, hein? Acompanhe as desventuras desse trio, nesse Blog real a partir do Blog da ficção.
Para quem ficou com dúvidas da referência no texto da postagem e ainda não leu o livro original, Paula é mãe biológica de Clay, mas devido ao preconceito da época, os avós criaram ambos como se eles fossem irmãos. Imagina como foi para Clay quando descobriu a verdade....
A história do Barão negro é verdadeira e foi pesquisada em diversas fontes.
 Segue uma das fontes consultados:
" A história esquecida do 1º barão negro do Brasil Império, senhor de mil escravos". https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44792271

Pintura à oleo de Julius Stewart, pintado em 1884, retratando o Barão Guaraciaba