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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

capítulo 13 - primeiro encontro

.
Cléo 
Ela estava lavando a louça quando ouviu o interfone , afixado na parede, tocar .
- Ué, que estranho ! O seu Zé não ligou perguntando se eu autorizava alguém subir ! Quem será ?

Conferiu a identidade do visitante pelo "olho mágico" na porta e tudo fez sentido.

Era Clayton que voltava ... 
- Mas se ele tem a chave , então.. 

Ao olhar  viu ao lado dele , quem o acompanhava...e  compreendeu o gesto do seu "filho do coração". 

Ele não estava sozinho ... estava acompanhado...Dela!

Eu não via Paula há pelo menos um ano. Desde aquela nossa viagem - uma das muitas que fizemos , ao longo de 25 anos morando juntas .
Fomos, ano passado , para São Tomé das Letras.
Na época eu tinha acabado de vencer uma causa de um processo longo, no qual trabalhei por meses defendendo minha cliente .
Com a grana extra que entrou ao ganhar o processo, resolvi que era um momento de dar uma pausa no escritório e tirar as merecidas férias, sempre adiadas !
Paula estava, há tempos querendo viajar, e o nosso relacionamento já não estava muito bem..
Mas a gente sempre ignora os sinais e acha que basta deixar rolar que tudo se ajeita..

Como foi que , justamente eu, advogada acostumada com processos de divórcio ,não consegui enxergar o que rolava com minha mulher bem debaixo do meu nariz ? 🙈 

O fato é que não percebi até ser tarde demais...

Enfim, viajamos . Ia ter o tal festival gótico na cidade..mas o lugar era muito especial e tinha muita coisa pra fazer , além do evento noturno. 

O festival pra valer seria  à noite , mas foi em plena luz do dia , à vista de todos , que a perdi. Para um homem!!

Ela se envolveu com o Gustavo, num relacionamento tórrido e fulminante....

Ver Paula me trouxe uma enxurrada de emoções e enquanto minha mandíbula se abria num sorriso falso e costumeiro , com o qual eu recepcionava novos e potenciais clientes , sempre desejosos de compreensão e de um tapinha nas costas e um protocolar " vai ficar tudo bem " , eu sorria enquanto fazia as honras daquela casa que não era minha, para a mulher que havia sido minha companheira por duas décadas e que havia jogado tudo fora...pelo quê, mesmo ?

Era o último ano daquela década de 1980.
Todas as alunas aproveitavam o intervalo entre as aulas da manhã e da tarde, quando fazíamos o estágio do antigo curso de Formação de professores, o IERJ- instituto de educação do Estado do Rio de janeiro, onde aprendamos a lecionar para turmas do antigo  primário,  atualmente chamado de  primeiro segmento da educação básica em escolas infantis próximas  com convênio com a instituição.

O estágio geralmente ocorria em escolas da rede oficial de ensino, que mantinham convênios com o Instituto. 

Uma parte significativa da carga horária podia ser realizada em instituições de aplicação, como o Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAP/UERJ), que serviam de campo de experimentação e referência.
A tarefa era simples .
Eu ia aproveitar o intervalo dos turnos para oferecer a rifa que iria correr no próximo sábado pela loteria federal.
Na década de 80 a caixa econômica não realizava diretamente o sorteio das rifas não .
Mas os sorteios das rifas eram realizados com o resultado do sorteio feito de forma pública pela loteria.
Os sorteios eram - e ainda são - realizados de forma física, com auditores e bilhetes físicos em eventos abertos ao público a fim de garantir a transparência .
As pessoas compravam o bilhete disponibilizado e o número que vinha no bilhete tinha que coincidir com a numeração do primeiro prêmio do sorteio oficial segundo a data estabelecida .

E na intenção de fechar os números que faltavam eu fui , uniformizada mesmo , vender a rifa no Bar da Frente que era o bar que ficava próximo ao instituto e que servia de point para muita treta, muita amizade e muita azaração .

Claro que existia já a proibição de máquinas e jogos para pessoas uniformizadas ,mas no máximo ali existia  um junkbox , máquina  que a garotada colocava uma ficha , escolhia uma música especial e que embalava os corações juvenis ! 🥰

Não era só as garotas que estavam no bar .
Ah! Não rsrs 
Recém -saidos da infância e ainda cheirando a leite e com uns fios insuspeitos de barba, os "galinhos de briga"  aproveitavam o Bar da Frente para ir ciscar o terreiro.

A trovinha da música infantil falava bem de como era essa época .

🎵2x7 são 14
      3 x 7 são 21
      Tenho 7 namorados 
      E só posso casar com um!🎵


Mas a musica não parava por aí , e explicava em poucos versos , tudo que rolava ali , no Bar da Frente .! ! 

🎵Namorei um garotinho do 
Colégio militar 
O danado do garoto 
Só queria me beijar 

Ah! Eu entrei na roda 
Eu entrei na roda dança 
Eu entrei na roda dança 
Mas não sei dançar 🎵

Pois é ! Eu nem sabia que estava sendo convidada pra essa dança, naquele momento.

É que pela primeira vez , não era eu quem ia tirar pra dançar !

Não posso criticar os rapazes do colégio militar.
As normalistas do instituto eram moças casaidoras , algumas ali só estavam cumprindo o combinado.
Era uma profissão possível e considerada tipicamente feminina para os padrões da redemocratização da época , passando por tantas transformações sociais naquele momento do país .

Depois eu mesma só estava também cumprindo com o tal protocolo..porque eu sabia que meu futuro era num tribunal , cuidando do escritório de advogados do meu pai.

Eu não estava nem aí de ter que seguir o caminho aberto por ele .

Meu pai lutou muito para poder construir o nome dele, e eu achava justo que eu ajudasse a manter o nome e não via problema nenhum em seguir os passos dele.

Até achava bom porque eu já ia começar " de cima".
Era só fazer o curso de direito e o resto da minha vida já estava garantido .

Eu ajudava no escritório com pequenas tarefas aqui e ali,levava água , café e documentos, coisa pouca , e mais observava e principalmente, ouvia . Eu era esperta , sabia que muito era dito e mais ainda tinha que ser subentendido nas entrelinhas .

Tinha que saber ler o cliente e isso , modéstia à parte , herdei de meu pai .

Talvez essa tenha sido a razão pela qual fui escolhida para vender e arrecadar dinheiro para a gente fazer a sonhada festa de formatura de final de curso , na boate Oceano's.

Foi o meu pai através do escritório dele que garantiu o prêmio para ser oferecido no sorteio: um aparelho de Som , modelo  1989 , estalando de novo, na caixa !

Era um 3 x 1 Cdplayer da Gradiente .
Tocava fitas , Rádio Am/ FM e também CD player . Tecnologia de ponta e super desejado , na época ..top!!!

Entrei com meu uniforme, impecável ,  como se tivesse acabado de chegar pra primeira aula da manhã , embora fosse mais de meio dia , em pleno calor do Rio de Janeiro 🌡️

Eu estava com o broche com a estrela e as três barras bem visível , deixando claro que eu era a veterana do último ano ali .

Eu sentava em cada mesa, um pouquinho, puxava papo , sempre sorrindo, o maxilar já doendo pelo esforço do sorriso .

Me aproximei da mesa onde as duas garotas estavam .

Uma delas me olhou de cima abaixo e fechou o cenho, mas não disse nada.
A outra estava entretida, devia contar algo importante.

Ambas estavam comendo uns porção de bolinho de bacalhau .
Ao lado delas uma lada de azeite.

Estavam aparentemente tomando refrigerante , mas não me admiraria nada que fosse batizado e que o inócuo refrigerante na verdade escondesse uma Cuba Libre.

Claro que já era proibido servir bebida alcoólica para menores, mas a fiscalização não era lá muito eficiente .

Depois cuidavam mais de ter menores uniformizados jogando em máquinas de fliperama .

Mas ali no Bar da frente só tinha uma JunkBox com músicas dos anos 70 e alguns sucessos atuais que faziam muito sucesso com os jovens .

E até rolava uma dança e um karaokê improvisado !

Me aproximei da mesa das garotas . Percebi que no peito delas havia o broche com estrela e duas barras , sugerindo o segundo ano.

Seria mais fácil apelar para concluintes , mas não custava tentar...

— como estão ? Gostariam de participar da Rifa ?

A morena , com um jeito diferente no olhar , que depois descobri ser estilo gótico , fechou a cara e foi direta :
— Não quero comprar nada ! Obrigada 
— Paula , não  custa ajudar!  - a outra falou .
— Custa sim , Margarida, não é de graça !
— Desculpa, ela não costuma ser assim tão azeda , né, Paula ?
Qual o prêmio da rifa ?
— Um 3 x 1 da Gradiente , CD player! - respondi , sem perder o rebolado.
— Na caixa ?! 
— claro ! Tem nota fiscal e tudo certinho
Foi oferecido pelo escritório...de advogados do meu pai ! - disse, enfatizando a procedência do objeto.

Paula desviou o olhar para que não percebesse que estava encarando Cléo e olhava de um jeito ...

— E quando será o sorteio ?
— Sábado agora.
Terá uma festa na minha casa para arrecadar mais recursos e o sorteio será transmitido pela TV então o ganhador será informado na hora, na frente de todo mundo!
— Tudo bem - Paula falou . Vou querer então dois números , já que é para uma boa causa.
— Também vou querer ajudar.
— ótimo.
E entregou o canhoto delas do bilhete .

Era hora de voltar pra sala de aula e ela chamou o garçom para acertar a conta.
O garçom entregou o valor do pedido acompanhado de um pedido e um papelzinho , com um número de telefone e um  nome : Cléo.

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