__ Oi, OI, OI! Não é muito cedo para um striptease não? Ainda não são oito da manhã!- Ela disse entrando de supetão pela porta entreaberta do quarto.
__ E tem horário certo para um striptease, Carla? - retruquei, fechando a abertura especial do sutiã de amamentação.
Tanto trabalho procurando sutiãs , decidindo entre sutiã com e sem bojo ou que tivesse aquela abertura frontal..
Entrei até em site de pergunta e resposta na web, para perguntar a respeito do que comprar e me responderam que "os melhores têm abertura frontal, por meio de um ganchinho ou peça de encaixe, e são bem fáceis de abrir e fechar com uma mão só, já que com a outra você estará segurando o seu bebê. Essa abertura é no próprio bojo, mas permite que o mamilo fique para fora e o resto do seio continue sendo sustentado pela parte de baixo do sutiã."
Aí, decidi por fim por dois sutiãs de amamentação, e só encontrei na indefectível cor caramelo.
É meio como se a mãe deixasse de ser mulher e não pudesse ousar nas cores, só restando para ela usar sempre a cor caramelo. Argh!
Enfim..Agora estou aqui, depois de tanto preparo e ...Eu não consigo fazer o Felipe pegar o seio. Simples assim. Não tenho leite!
Na maternidade foi um suplício, mas a enfermeira havia dito que talvez em casa, num ambiente conhecido, o leite pudesse descer com mais tranquilidade e sentindo o cheiro, o bebê pegaria o seio.
Eu até achei graça ao ouví-la a se referir a meu filho como se de repente se transformasse num cão perdigueiro, e meu peito, em um fast foood...
Sorri com tristeza, pegando a mamadeira que havia deixado preparada com a fórmula receitada pelo pediatra para lactantes, caso mais uma vez Felipe se recusasse a mamar.
Ela apertou os olhos enquanto observava a gula com que Felipe passou a tomar o leite na mamadeira e fez a pergunta certa- aquela que eu preferia não responder:
__ Você não comentou que Felipe estava tomando mamadeira...Aliás, havia dito que não estava com problemas com a amamentação...
__ É presente para Felipe?__, Mostrei o embrulho nas mãos dela e ela me entregou um dos embrulhos coloridos que trazia.
__ Sim... e não.
Abri o presente e entendi o recado. Era uma bombinha de sucção manual.
__ Agora vou virar uma vaca, sendo ordenhada?
__ Progredimos, viu só? Há pouco mais de uma nos a gente estava sendo chamada de tia numa lanchonete às onze da noite e agora...
__ Agora eu virei uma vaca leiteira!
__ Eu ia dizer que agora você está casada, com um filho lindo nos braços e eu, por minha vez, sou agora uma psicóloga formada e voltei para assumir meu posto de madrinha dessa fofura! Posso?
Com exceção de Cleo, que na condição de "avó" segura o Felipe desde que chegamos do Hospital, Carla é a primeira pessoa que se dispõe a segurar meu filhote.
__ Claro que pode, Carla. Já vai se acostumando com ele, afinal terá que segurá-lo ao ser batizado, não é?
__ E o meu futuro compadre, onde está?
__ Está no quarto dele...no ateliê, quer dizer...-Apressei-me a consertar o que deixei escapar sem perceber. __Eu não havia pensado nisso, Carla, onde você vai ficar agora? O seu quarto está lotado de telas e tintas, você não vai aguentar aquele cheiro não! Se ao menos tivesse me dito que vinha dias antes do batizado...
__ Sei... E tem alguma dúvida que eu ficarei por aqui?- Disse passando a mão sobre o lençol-, Essa cama de casal sempre foi meu desejo de consumo mesmo, afinal o colchão dela é bem mais macio que a cama que ficava no meu quarto.
__ Obrigada- respondi ao perceber que ela não ia me perguntar diretamente aquilo que já estava ficando óbvio para todos.
Eu e Clay não estamos nada bem.
Carla apertou os olhos novamente, como era do seu feitio fazer quando queria examinar alguma situação e em seguida sorriu:
__ Não por isso. Será um prazer ajudar com as mamadas noturnas. Depois, minha missão é sair daqui com esse fofucho mamando com gosto da forma mais natural possível ! Sem essa de mamadeira!
__ Quem te falou sobre isso? Foi Cleo?
__ Não. Dessa vez foi sua mãe, a dinda Margarida, quem me falou da dificuldade. Ela percebeu que a situação quando te acompanhou na maternidade e me contou quando liguei para ela porque achei que ela estivesse aqui, ajudando vocês nesses primeiros tempos...
__ Pois é... Mas não está.
__ Nem ela, nem o Clayton, pelo visto.
Dei de ombros.
__ Por falar nele, Cleise, eu gostei de ver o trabalho que você fez ao reativar o Blog. Vi que até teve muitos comentários na postagem do Clay sobre o Barão negro. Não conhecia aquela história.
Carla é assim, "Morde e assopra".É o jeito dela, já estou acostumada,mas não dei o braço a torcer.
__ Nem eu, acredita? E Olha que o Palácio Amarelo fica aqui mesmo no Rio ,na cidade de Petrópolis, achei a matéria em si bem interessante.
__ Mas...
__ Mas eu não sei se tem algo a mais em ver o Clay fazer uma matéria sobre um herói mineiro. A família de Clay é mineira, entende o que quero dizer?
__ Achou que foi uma forma dele procurar pelo conhecido para se sentir seguro?
__ Não sei, Carla, a psicóloga aqui é você!
Ela me devolveu meu pacotinho para meus braços.
__ Acho que ele precisa trocar a fralda, mamãe! Vamos combinar assim: você me ensina a trocar fralda que eu te ajudo a usar essa bombinha de ordenhar vaca!
Eu devolvi Felipe para o berço.
__ Pegue o trocador portátil para mim dentro da bolsa dele.
__ Trocador portátil?
Sorri. Um mês atrás eu mesma nem imaginava que isso existisse...
__ É isso aqui. Eu sempre deixo na bolsa para ficar mais fácil , embora eu só tenha saído nesse primeiro mês para ele tomar a vacina BCG...
__BCG? Já está usando o dialeto materno?
__ Não é um dialeto- ri antes de comentar- é o nome da vacina contra a tuberculose...Bom aprender, vai que qualquer dia.é a sua vez de entrar nos domínios maternos...Até onde eu sei você bem tem se esforçado....
Ela desconversou e não deu o braço a torcer.
__ Ah!.... Então já entendi o motivo dessa tristeza!É falta de sol! Carioca não combina com falta de sol. Vamos sair e depois....disse, enfatizando a palavra depois -, quando voltarmos do passeio aí teremos tempo para conversar.
__ Eu ainda não posso sair com Felipe, ele ainda não tomou todas as vacinas e...
__ Não! Não pode desgrudar dele nem um minutinho? Está querendo virar a mãe do ano por acaso? Vamos aqui em frente tomar um suco de laranja, já que você não pode beber e daqui a meia hora no máximo, estremos de volta. Esse bezerrinho vai conseguir ficar longe de você por meia hora,, Cleise, relaxa! A Cleo fica com ele.
__ Mas...
__ Sem mais, Cleise!-, Cleo entrou no quarto e falou:
__ Tanto estresse pode estar prejudicando tudo, até a descida do leite..
__ Eu não acho que isso possa ajudar e depois ele é muito novinho, como vou voltar da rua para pegar ele...
__ Você não pirou assim quando eu o peguei no colo, Cleise, não está sendo coerente, sabia?
__ Pode ser, mas na hora eu nem pensei que você estava chegando da rua e agora...Não deveria ter deixado pegá-lo no colo, assim como não deverei sair de casa só para trazer germes para ele.
Carla suspirou. No fundo eu sabia que tudo era um exagero, uma piração mesmo, mas eu não conseguia evitar.
__ Cleise, eu mesma já levei o Felipe na rua, esqueceu?
__ Meia hora? perguntei, vencida.
__ Meia hora! E na volta você toma um banho antes de pegá-lo no colo.
__ Certo.
__ E o Clay?
__ Estamos conversando há um tempo já , se ele ainda não se deu conta da minha presença, não é agora que vai se importar.
__ Concordo.
__ Clay não é sua responsabilidade. Sua responsabilidade é Felipe. Depois creio que eu possa ajudar com isso...
__ Talvez.
__ Toma Cleo, para vestir no Felipe depois do banho- entregou o outro pacotinho que trazia. Cleo perguntou se poderia abrir e eu assenti com a cabeça:
__ Um body azul escrito Boy?
__ Pois é...A vendedora , mal eu entrara na loja, já foi perguntando se o presente era para menino ou para menina. Eu bem que tentei trazer uma cor neutra, tipo verde ou amarelo,achei que você iria preferir assim. Mas olha, pensando bem... Cor não tem sexo, não é? Então menino também pode vestir azul...É só uma cor, como qualquer outra... Se meninos podem vestir rosa e está tudo bem, então também podem vestir azul e está tudo bem também. Por isso eu aceitei a opinião da vendedora. Bater o pé para agir diferente, na verdade, seria concordar que cor tem sexo e que algumas cores seriam proibidas! O que estava longe da verdade...Então...Eu até falei das cores para ela- e ela surpresa, disse que nunca ouvira falar sobre isso, mas aceitei trazer o Body que ela sugeriu porque gostei dele, e não pela cor em si.
__ Só você, Carla...mas, faz sentido sim!- Concordei.
__ Pois é isso mesmo, Dinda*! Cleo falou sorrindo-, vou lavar a peça e secar na secadora de roupas, antes de dar um banho bem gostoso no pequeno enquanto a mamãe relaxa por meia hora-, disse piscando o olho- ou até um pouquinho mais. A mamãe merece!
__ Vamos Cleise, vamos tirar esse mofo de você! Só daqui a três horas esse bezerrinho vai acordar mesmo! Temos tempo! E vamos comprar uns sutiãs que não sejam cor de burro quando foge. Estamos do lado do Shopping Iguatemi, tem que ter algo decente para uma mamãe desse século por lá!.-Carla me falou às gargalhadas enquanto me empurrava em direção à porta.
Não pude evitar de espichar o olho em direção ao ateliê enquanto deixava o apartamento, mas a maçaneta da porta do antigo quarto da Carla, hoje ocupado por Clay, nem se mexeu. Suspirei.
Eu realmente precisava de um tempo e ao menos agora com a Carla de volta, tudo voltará a ficar bem.
Vai sim...
"Tudo bem quando termina bem"- repeti para mim mesma-, e a minha história ainda terá um final feliz!
Cleise
* Dinda- Forma carinhosa de se referir à madrinha de batismo, na religião Católica.
Nota da autora:
Cleise está as voltas com os primeiros desafios da amamentação. Clay, por sua vez, está com ciúmes do filho e isso está refletindo na vida do casal.
Mas com a chegada de Carla, a poucos dias do batizado de Felipe, tudo promete mudar...e mudar para melhor.
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