Carla
Cleise deixou o quarto e caminhou em direção ao banheiro.
Seu aspecto abatido revelava muito mais que suas palavras .
Lembro-me que minha supervisora na faculdade dizia existir uma linha tênue entre ajuda e intromissão.
E que toda ajuda não solicitada é invasão de privacidade.
Nem Cleise e nem Clay pediram minha ajuda...Por outro lado, será que eles têm consciência de que se encontram à beira de um colapso ?
Depois...
"Eles não são meus pacientes e..."
Felipe acordou ao me ouvir falar em voz alta . Ele virou de bruços no berço e se aninhou como um filhotinho de cachorro.
Dei palmadinhas em suas costas e ele pareceu se acalmar e dormiu novamente.
Eu sempre faço isso. ..
Fico falando com meus botões e quando vejo ,acabo pensando em voz alta e revelo mais do que devia às pessoas erradas...
"Tenho que tomar cuidado com essa mania..."
- ...de falar em voz alta ! Que merda,Carla.!
Ih! Falei palavrão na frente do Felipe ! 😲
Que espécie de madrinha eu vou ser assim , desbocada? AFF!
Era só o que faltava! Culpa sua,Carla! E...Agora ?!?
Ele não voltou a dormir não e para piorar mais um pouco , resolveu mostrar que não veio a passeio!
Começou a berrar e a berrar e ...
__Está tudo bem aí ,Carla?Cleise gritou da suíte.
Antes que ela resolvesse sair da banheira eu respondi:
__ Está sim!
"Que merda ,Carla , e agora ? "
Enfiei o dedo no queixo.
E o gesto deve ter colocado pra funcionar meu subconsciente ou sei lá ..Só sei que deu certo!
"Leite !"
Dessa vez eu não falei em voz alta mas Cleise pareceu ouvir meus pensamentos:
__ A mamadeira já está com a fórmula e a garrafa térmica está com água fervida já. Acha que dá conta de preparar ?
Nota :
Confesso que é a primeira vez que preparo uma mamadeira e agradeci aos céus que minha amiga é mais previdente do que eu e já deixou tudo engatilhado.
Ela sempre dizia :
__Seja organizada ,Carla!
E eu odiava aquilo porque ela era tão mandona, bancando a líder, sempre resolvendo tudo , sempre a dona do jogo e agora está aqui , sem saber o que fazer da própria vida .
Para, Carla ! Tem hora pra tudo até pra bancar a egoísta.
__ É claro que consigo , minha rainha ! - Tranquliizei-a. Eu tô lascada, issosim!
Os berros do Felipe pareciam ficar mais fortes e minhas mãos ficaram trêmulas.
Deixei um pouco da água cair sobre a mão.
A minha salvação surgiu na forma de tia Cleo, que veio em meu socorro:
- Quer ajuda, Carla ? Cadê a Cleise!
- Não, tia Cleo, está tudo bem! Fiquei nervosa com os berros dele e acabei me distraindo e entornando água na mão, mas ela não está tão quente quanto supus. .. A Cleise está na banheira. ...
Eu consigo dar conta. ..
- Claro que consegue , querida !
O pó ficara no fundo da mamadeira e a água na parte superior.
Parecia um experimento de solubilidade.
Pensei que misturassem automaticamente mas...Não!
Fiquei lá olhando para a "dita cuja", os segundos passando e o berrador lá, com o berrador aberto!
Como pensar com um barulho desses?!?
Então, ainda olhando para a mamadeira, pus o dedo no queixo e em seguida , resolvi que bastava apertar o bico com os dedos e estaria resolvido o problema!
- Você não vai fazer isso, não é?
Vai contaminar o bico com a sujeira das suas mãos. ..
- Minhas mãos não estão sujas - retruquei.
Mesmo assim não cheguei a concluir o gesto.
- Mas se não posso apertar o bico para impedir que o líquido vaze enquanto agito a mamadeira, como se faz?
"E agora ?"
Ela pegou a tampa da mamadeira e virou-a para cima. E retirou uma tampinha de plástico que nem imaginava que existisse.
- Agora , a gente recoloca isso aqui e o bico em cima e por fim , a tampa com encaixe de rosca e aperta bem . E agora coloca a tampa externa ...
" Vixe ,menina ! Tampa externa ?
De repente, o que parecia tão simples se transformou numa parafernália de alimentar bebês!
- Nossa ,nem imaginava que existisse essa tampinha .
- Pois é ! Agora é só sacudir que o leite não vaza não!
É ela dizia isso com a maior tranquilidade como se não escutasse as centenas de decibéis que berrava e berrava!
Retire o que falei sobre bebê calmo !
É de enlouquecer !
- Acha que dá conta ?
- É claro ! -Falei , sem um pingo de convicção.
Sentei na cadeira de balanço ao lado da cômoda, pegue Felipe com todo o jeito e o aninhei em meus braços .
E dei a mamadeira.
Cleo sorriu e antes de sair do quarto,murmurou :
- Não o deixe engolir ar !
Olhei para ela, incrédula :
- Como é?
-Tenha certeza de manter a mamadeira com o fundo para cima .
E ela empurrou com delicadeza minha mão para cima e o fundo da mamadeira se projetou em direção ao teto, fazendo com que o líquido descesse totalmente para o bico.
- Ah! Exclamei. Mas não disse nada.
- Se precisar de mim estarei na cozinha adiantando o almoço!
Eram tantos detalhes que ainda me pergunto porque não inventaram um manual.
- Retiro o que disse , falei baixinho para mim mesma.
" Vixe , mainha ! Olha esse monte de revista de bebés sobre a cômoda. É um verdadeiro manual de criar bebês!"
E onde se encaixa Clay nisso tudo ?
Felipe me olhou e aos poucos piscou e piscou e dormiu e voltou a ser o anjinho que eu conhecera.
Deixei-o no berço.Eu já sabia o que fazer a seguir!.
❤❤❤
Dei batidas na porta e ouvi a voz do Clay.
- Pode entrar, Cleise ! Ah...É você? Quando chegou, Carla ?
O pior é que ele não estava sendo sarcástico , não. Ele ainda sequer se dera conta da minha presença na casa deles!
Depois, pela "amostra grátis"do trabalho que estava sendo cuidar de Felipe 24 horas por dia e sem apoio de Clay. eu tive que me controlar para não despejar tudo o que eu achava de uma vez só :
- Cheguei hoje pela manhã e sai com a Cleise um pouco dessa casa ,ela está criando mofo dentro daquele quarto. ..E na volta ela foi tomar um banho e descansar e eu dei mamadeira pro Felipe ! E você, o que fez todo esse tempo ?!?
- Ei! Voltou azeda assim da Bahia? Isso é jeito de falar comigo na minha casa ?
- Nossa casa, você quer dizer , por que eu voltei para ajudar a Cleise e vou ficar por aqui até a Cleise ficar bem de novo ! A Cleo precisa voltar para a casa dela , Clay! Não pode ficar indefinidamente cuidando de vocês não! Alguma hora você vai ter que assumir sua posição de pai ,sabia? - Despejei de uma vez só.
Esperei que ele me mandasse ficar no meu lugar ou algo assim , mas ele pareceu engolir a bronca em seco e ficou quieto.
E isso me desmontou .Alguma coisa muito séria estava acontecendo com ele e o Clay que eu conhecia se isolava quando estava com medo.
É isso! Mas não posso ser precipitada e muito menos bancar a psicóloga com meu amigo. Ele precisa desabafar e minha função é ouvir aquilo que ele não consegue expressar !
"Somos amigos e ele não é seu paciente, Carla "falei com meus botões de novo.
- Eu sei que deveria ajudar mais - ele falou com voz doce e sem tirar os olhos da tela-, mas eu simplesmente não sei o que fazer , nunca tive jeito com bebês!
- É claro que não! Acha que existe uma chave que a gente aciona e de repente sabemos tudo o que precisamos saber de uma hora pra outra ? Acha que a Cleise sabe de tudo , Clay? Por favor! Ela está tão perdida quanto você, meu caro ! E eu fui dar mamadeira pro princepezinho e descobri que tem um monte de detalhes que eu nem desconfiava! É assim mesmo !Mas você ama a Cleise e justo no momento que ela mais precisa você a deixa sozinha ,cara? Qual é? Que cumplicidade é essa,meu rei ?
Ele não respondeu .Mas então reparei o quadro que ele estava concluindo. E era lindo !
- Você voltou com seu baianês à toda, não é? - perguntou sorrindo e em seguida voltou a falar -, Era para eu ter dado à ela de presente de Natal mas não tive tempo de concluir esta aqui ...
Fiquei boquiaberta ...olhando. ..
❤❤❤
Olhei as demais no canto do quarto.
A mais a direita , no chão perto da janela e formando um triângulo com o rodapé, era o retrato de Cleise de pé ,enrolada na toalha , diante do espelho. Ela estava de lado e uma expressão se felicidade no rosto.
A outra tela, Cleise estava sentada.O livro parecia estar apoiado sobre sua barriga já volumosa e ela estava concentrada, lendo .
Na próxima tela , mais perto do cavalete, Cleise estava com sua enorme barriga, uma mão na região do ventre, no "pé da barriga" e a outra mantida sobre o estômago e olhava pela janela do quarto do casal. Parecia refletir sobre o futuro.
Examinei a tela mais recente sobre o cavalete. Clay parou um instante de pintar e aproveitei para examiná-la melhor .
Cleise estava sentada sobre a cadeira de balanço que eu mesma estivera há poucos minutos. Felipe estava em seus braços e ambos estavam com os olhos fechados.
Eu fiquei sem saber palavras - algo bem difícil de acontecer.
ass: Carla
❤❤❤❤
Nota da autora :
Cleise e Clay começaram o ano com novidades .A chegada de Felipe mexeu com a estabilidade recém - adquirida do relacionamento deles.Carla - que estava na Bahia cuidando dos pais -, voltou para o batizado de Felipe mas quando chegou se deparou com o caos: seus amigos mal trocando uma palavra , Cleo assoberbada cuidando de tudo e Cleise à beira de um ataque de nervos ! É....rapadura é doce mas não é mole não....E Carla se vê no meio disso meio sem saber o que fazer.
Gostaram do capítulo?
❤Até a próxima❤
Uma mamadeira nunca deu tanto trabalho, né? Que doidera hahaha. Eu adoro acompanhar seus escritos porque sempre me divirto bastante, principalmente com as expressões que voce usa.
ResponderExcluirOi Michelle.
ResponderExcluirConfesso que estou um pouco perdida na história porque eu pedi os capítulos anteriores. Mas quero tirar um tempo para lê-los e acompanhar a história. Parabéns,pelo capítulo. A história parece ser bem bacana.
Bjos
https://historiasexistemparaseremcontadas.blogspot.com/
Oi! Mais uma bagunça pra variar! Adorei este capítulo hoje, e que dificuldade! Parabéns pela maneira como você consegue passar bem os sentimentos e loucuras, a gente consegue visualizar direitinho!
ResponderExcluirBjoxx ~ Aline ~ www.stalker-literaria.com ♥
Adoro acompanhar as suas histórias. Eu tenho sempre me divertido muito quando passo por aqui!
ResponderExcluirParabéns!
Haha! Adorei esse capítulo! Já senti o drama, como nunca tive filhos, consegui compreender tudo o que ela estava sentindo com a mamadeira. Meu pai, quantos detalhes hehehe
ResponderExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirÉ impressionante como às vezes fazemos um julgamento precipitado. Não que ele se trancar tenha justificativa, mas ele não está alheio ao que se passa e com as telas provou que seu amor ainda está lá. Gostei mais desse capítulo do que o anterior. Parabéns.
beijinhos.
cila.
Olá, Michelle.
ResponderExcluirMe senti um pouquinho perdida por não ter lido os capítulos anteriores, mas quero tirar um tempinho para conhecer mais essa história. Gostei do que escreveu :)
Beijos,
Blog PS Amo Leitura
Oi Michelle,
ResponderExcluirCaramba, a história está ficando muito boa! Prevejo livrão esse ano hein, parabéns pela criatividade!!
Beijokas
Não li os outros capítulos mas gostei bastante desse!
ResponderExcluirE socorro, jura que tem todos esses detalhes pra simplesmente dar uma mamadeira? Não tinha a menor ideia! Acho que quando chegar meu sobrinho vou acabar descobrindo, de um jeito ou de outro, mas essa leitura me deixou de boca aberta com os passos... rs...