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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Capítulo 7-Amor em cores


Cleo

Entrei no antigo quarto de Carla e que agora Clayton transformara em Ateliê.
O quarto estava vazio  desde que ela se decidira por transferir a faculdade para a Bahia e assim ficar mais próximo dos pais dela, Gisela e Carlos.
Não convivi muito com Carlos, quando ele Gisela e a Carla ainda moravam aqui, no Rio. O pouco que me recordo dele foi a partir do que Gisela contou. 

Voltei a me concentrar nas telas assinadas por Clay. .
 Havia ainda algumas canecas na estante. Sobras do tempo que ele fazia canecas artísticas para vender para a obra assistencial da igreja de Lizete. 
Mas são as telas mesmo que revelam como ele tem talento mesmo  para isso....

Aproximei-me um pouco mais. Carla comentou sobre a tela ainda por finalizar, que está no cavalete... Era possível perceber, assim de perto, a direção da pincelada, as camadas sobrepostas.
Ainda que nenhuma daquelas telas tivesse recebido o nome Cleise, não era difícil perceber que era ela a principal fonte de inspiração . Em algumas delas, também se podia ver Felipe, sempre retratado ao lado da mãe.
Cores fortes, vibrantes.

A tela inacabada  trazia o olhar de Cleise em evidência.
N assemelhava-se àquele cheio de olheiras, resultado das noites insones, e que se transformara numa pálida versão da mulher diante de mim. A Cleise real sequer imaginava que seu rosto emoldurava cada canto daquele ateliê, adormecida no quarto ao lado, num raro momento de paz.

一 Será que você percebe que não revelar seus sentimentos é aquilo que mais o afasta dele?- perguntei para mulher do cavalete, olhando fixamente para mim-, Ele, ao menos, libera seus sentimentos através da pintura.
 E ela por sua vez, libera a tensão percorrendo seus ágeis dedos pelo teclado, nas raras vezes que se permite ficar afastada de Felipe para cuidar de si mesma. Mas. é você quem ele quer.  Porque não conversam um com outro? Não seria bem mais simples?- questionei-a.-Tantos casamentos recorrem aos filhos como tábua de salvação, e quando percebem que filho não resolve crise conjugal- e , na maioria das vezes, só intensifica os problemas.
Era como se a simples presença deles tiver o poder de uma grande lente de aumento sobre os problemas nunca discutidos pelo casal. E aí...e aí terminam na porta do meu consultório. 

Sentei na poltrona em frente à enorme tela com o rosto de Cleise, de perfil. 
Azul, rosa e um tom de amarelo se sobressaía na tela...Linda. Será que  ao menos o retrato dela seria capaz de me ouvir e entender o que digo?

Balancei a cabeça em negativa.

Lembrei-me de Margarida com a idade de Cleisemir, pouco antes de engravidar. 
Eu  era muito nova ainda,, não percebi como Margarida deve ter se sentido perdida...
Às voltas com início de faculdade.. Além disso, Paula e eu vivíamos tendo que nos encontrar às escondidas como duas adolescentes...Foi em Paula que Margarida se apoiou naquela fase. Afinal,Paula havia retornado a pouco tempo com seu irmão caçula temporão a tiracolo...Irmão...quantas mentiras!

Foi difícil engolir que Paula tivesse engravidado, depois de tudo que a gente vivia juntas desde o curso Normal no Instituto de Educação. Lizete assumiu o próprio neto como filho até que a verdade veio à tona...Paula me pediu perdão...Pelo menos isso, daquela vez...

Aceitei o filho dela para criarmos juntos e eu o amo como meu filho. Eu a perdoei e olha só no que deu...
❤❤❤
Respirei fundo, especialmente quando meu olhar se deparou com uma garrafa de rum pela metade na estante do quarto. Clay andava bebendo...Eu o via indo pelo mesmo caminho de Paula...

Fui até a cozinha buscar um copo.Voltei, me servi da bebida e voltei a me sentar diante da tela. Meu pensamento voltou  a vagar. 

As pinturas dele parecem ter esse poder, e novamente me vejo imersa em pensamentos.

Por ser mulher geralmente são elas, as mulheres, que mais me procuram para contratar meus serviços advocatícios,motivadas pela identificação sexual. 

Normal. Mulher prefere ser atendida por uma profissional do mesmo sexo.

Acham que advogados do sexo masculino vão se aproveitar das fragilidade delas para as assediar.

 Quando me veem assim, de Tailleur completo e salto alto, como manda o figurino apropriado ao Fórum, então elas supõe que eu seja... Feminina, e isso as deixa à vontade comigo.

 Bem, eu sou mulher- bebi um pouco do uísque- e sou feminina sim.. 

Sorri, balançando o copo e fazendo o gelo no interior da bebida girar em cículos.

 Gosto tanto de ser mulher que são elas, as mulheres, minha fantasia e fonte de inspiração.

Eu tenho isso muito definido em minha mente, mas nem sempre as coisas são assim tão claras.

 Clayton passou por um período de experimentação antes de se decidir pela Cleise e Paula...Ah! Paula... Paula ficou muito tempo ao meu lado antes de se definir pela bissexualidade. 

Se até para ela há confusão, quem dirá para quem não está habituado a discutir esse assunto, como os avos de Felipe ,tanto Lizete e Paulo quanto... Lizete e Paulo não, não seriam eles os avós de Felipe...

Paula e eu? Estranho pensar assim. Mas- concluo-  somos eu e ela,realmente avós dessa criança, ao lado de Margarida e Roberto.

  Tanta confusão e preconceito. Casar-se com um homem apenas para ser aceita socialmente.

Não consigo acreditar que Lizete e Paulo preferem que a filha seja infeliz ao lado de um homem, do que feliz ao meu lado,por eu ser  uma mulher.
Não acredito que Paula tenha se tornado assim agora, apenas na maturidade.

 Sexualidade é algo que já nasce conosco, não é algo decidido com a mente e que se possa mudar de repenteNão sei a quem ela pensa que engana...Até que está durando esse casamento, já passou uma ano, vejamos quanto tempo mais...

  Será que mudar mesmo a ateliê para meu apartamento será uma boa ideia ou será mais um motivo para afastar Cleise e Clay? O que é melhor fazer?

Peguei a garrafa e o copo para levá-los para a cozinha.

Vamos ver o que ele fará quando perceber que a garrafa já não está aqui.


    A porta do quarto de Cleisemir estava encostada e ela ressonava . Pela primeira vez, Felipe não dormia na cama de casal e sim no berço. Progresso.





Nota da autora: Para quem está começando a acompanhar a história daqui, Cleo é a mãe por afinidade de Clayton. Cleo foi casada por muitos anos com Paula, a mãe biológica de Clayton, cuja paternidade é desconhecida.

Clayton sempre viu Cleo como sua mãe real, já que ele a a mãe biológica foram criados como irmãos.Agora é ele quem se vê ás voltas com a paternidade e nem ele, nem Cleisemir, lidam bem com essa nova realidade.

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